sábado, 14 de dezembro de 2013

O dia de Celine está apenas começando...

Celine é bonita apesar de aparentar mais idade do que realmente tem, é pequena, olhos expressivos e  “quase verdes” como costuma dizer. Tem a pele branca e lisa, quase não pega sol e uma moldura de cabelos realmente negros que ela insiste em manter preso.

Sua beleza sempre rende elogios e quando alguém fala isso ela responde:” Sou comum!”. E logo trata de mudar de assunto.

 Sua vida não foi fácil até então, desde muito pequena foi acostumada a enfrentar as coisas de frente, com apenas 12 anos ela e sua mãe, já doente, foram despejadas da casa onde moravam por falta de pagamento do aluguel, pegou o que pôde para colocar em uma mala pequena.

Ali estavam as poucas roupas, algumas fotos, um abajur, um guardanapo de crochê  e um pequeno espelho, na outra mão uma mesinha minúscula. E assim a menina em apenas um dia cresceu alguns anos.

Penso que este dia formatou na pequena, o olhar desconfiado e triste que ainda hoje traz consigo.

Apenas duas pessoas a fazem sorrir com leveza, seus amigos Aziz um jovem libanês e Louise, companheiros de orfanato, amizade conquistada a cada dia pelos anos de convivência.Vários foram os aniversários e natais compartilhados pelo trio, comemoravam sozinhos e de mãos dadas sempre no primeiro segundo  após à meia noite. São até hoje inseparáveis, formaram sua própria família, chamam-se de irmãos.

Celine olha para o relógio apreensiva, seu ônibus está atrasado, e levar bronca por chegar atrasada não está nos seus planos para hoje, realmente não!
Se é algo que funciona bem nesta cidade é o transporte público, muito estranho este atraso. Confirma com uma senhora que também espera se ele realmente não passou, já se conhecem de vista por que sempre pegam juntas a mesma condução e ela confirma que não.

Ansiosa, ajeita novamente o casaco, bate o pé algumas vezes e olha para a rua.

Finalmente algo bom!

Dobrando a esquina aparece Aziz em cima de sua inseparável bicicleta vermelha!

Lá vem ele com um chapéu esquisito e o também inseparável cachecol amarelo, pedalando em alta velocidade como sempre! Diariamente brincam para ver quem chega primeiro ao trabalho já que ele é aprendiz de padeiro e faz entregas na mesma padaria, mas hoje não dá para brincar, sem demora ela se joga na frente dele que se desequilibra e quase cai.

- Tá maluca?! Aziz fala com os olhos arregalados e já dando uma gargalhada!

- Aaai! Graças a Deus! Carona Aziz! Não sei por que, meu ônibus está atrasado!  Sem esperar resposta já vai se acomodando na parte da frente da bicicleta, onde normalmente ele carrega as caixas de entregas de pães e doces.

-Ah é? Hoje quer carona! Ontem me deu tchauzinho da janela do ônibus, e ainda por cima com aquele sorrisinho de lado, acho que não! Ele responde  juntando as sobrancelhas grossas enquanto finge arrumar o cachecol.

-Pára Aziz! Vamos rápido, algo me diz que Berta hoje não está para brincadeiras, pedala!

Ele em seguida ajeita a bicicleta para que ela se acomode melhor.

“É fácil carregar Celine” -  pensa Aziz -  ela é bem leve, algumas encomendas são muito mais pesadas do que ela com certeza!

E partem os dois inicialmente fazendo zigue-zague até pegar equilíbrio, arrancando algumas risadas de ambos já que ela precisa segurar-se com ambas as mãos e ele discretamente faz uma careta, daquelas de quem fez algo de propósito.  Sim ele sempre conseguia fazê-la sorrir, era assim desde menino.

As ruas estão cheias, e com toda força aquele pedal vai ganhando as ruas, sentiu  até frio! Celine olha o relógio mais uma vez e fica aliviada, vai dar tempo! Faltam apenas duas quadras, e dobram a última esquina.

Surpresa quando fazem a curva.

- Ooopaa! Segura! Grita Aziz freando bruscamente, quase subindo a calçada e por pouco não acerta uma carroça de cachorro quente, provocando um grito do vendedor.

Não fosse pelo reflexo rápido e o aviso do amigo Celine teria sido arremessada longe,  ou pior, teria dado de cara no carro parado em uma rua que normalmente tem o trânsito fácil.

Que susto!


Fonte: parisvip.blogspot.com.br
Celine permanece sentada e agarrando tão forte na bicicleta que quase teve câimbra nos dedos, sua bolsa veio para frente e a menina que já era branca agora parecia uma cera de vela! Aziz fica em pé imediatamente tentando entender o que está acontecendo.

O fluxo na calçada também está lento, as pessoas assim como eles, buscam alguma resposta para justificar este inusitado acontecimento, nunca se viu aquela rua assim.

 Algo está diferente, os carros estão parados e há um grande engarrafamento, a bicicleta consegue passar desviando aqui e lá,  ele tenta subir novamente para pedalar, mas acaba desistindo e começa a fazer o percurso empurrando com os pés bem devagar para manter o equilíbrio.

Decidem descer e terminar o percurso caminhando já que estão quase chegando.

- O que está acontecendo ? Pergunta Celine. E observa o mesmo olhar de dúvida no rosto do amigo.

- Não sei! Estranho né? Aqui sempre tem movimento, ás vezes é devagar  mas nunca ficou parado assim!

Estão chegando.

 Aziz empurra a bicicleta pelo meio fio e Celine caminha ao seu lado.
Na porta está Berta, a gerente.

Ambos olham para seus relógios, não estavam atrasados.

-O que ela faz na porta? Pergunta baixinho com a boca torta para o lado - isso definitivamente não é comum!

- Não é mesmo! Responde Aziz entre curioso e espantado.

-Só há uma maneira de saber – Celine dá uma ajeitada no cabelo a fim de parecer normal e dá uma olhada de lado para Aziz, entendem-se desta forma desde crianças.

E ambos apressaram o passo em direção à “ Bon Cookie de Bolangerie”


Continua...

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Um conto de Natal


O dia começou comum, e desde o momento em que abriu os olhos ela já sabia qual seria o movimento seguinte.

Levantar, fazer xixi, escovar os dentes, tomar banho, escolher uma roupa qualquer, tomar o café com o pão de ontem e sair.

Um pouco antes de levantar-se da mesa com a mesma toalha da semana anterior, pensou se hoje, só hoje, algo poderia ser diferente, e ficou assim com o olhar parado por alguns segundos, fixando um ponto qualquer entre o teto e a parede da cozinha.

Nunca foi pessoa de devaneios, considerava-se rápida, prática e decidida, sempre achou que sonhos eram para os desocupados, sem compromissos ou para os artistas, estes sim podiam sonhar, por que tinham tempo para isso, mas não ela.

Levantou-se rápido, como que despertando de um pequeno transe e voltou ao quarto para buscar um casaco, o tempo não estava bom.

O emprego de faxineira em uma padaria não era lá grande coisa, mas pagava o aluguel do pequeno quarto e sala, e ás vezes ao final do mês, sobrava um troco para uma besteirinha qualquer.

Mas este mês não sobrou nada.

O caminho entre o quarto e a porta de saída era feito através de um pequeno corredor, que tempos atrás enfeitou com alguns retratos de família e a imagem de sua santa de devoção a Nossa Senhora das Graças.


 Levara bastante tempo organizando de forma metódica as fotos para que estivessem cronologicamente corretas.

 Esta tarefa foi seu passatempo por vários dias.

 Ficou até triste quando terminou, mas pelo menos agora,  as fotos haviam saído da caixa de sapatos e finalmente estavam com alguma dignidade,  apesar de estar triste estava também satisfeita por ver sua história ali, resumida em pequenas fotografias expostas como janelas de um passado que por vezes ela sorria ao lembrar e outras a faziam chorar.

  Mas bem pouco, só um pouquinho mesmo.

Normalmente passava rápido por ele, quase sempre atrasada apenas com o tempo de pegar a chave em cima de uma mesinha pequena que fazia questão de manter com um guardanapo de crochê e um abajur de tulipa.

Estes dois objetos eram as únicas lembranças da mobília de sua mãe, foi o que conseguiu carregar quando foram jogadas na rua. Dia que não quer lembrar.

Passou pelo corredor um pouco mais devagar hoje, nem se deu conta, mas parou o olhar numa foto, outro pequeno devaneio e um segundo de memória a fez baixar os olhos.

Chega! Pensou. Chega mesmo!

Celine vestiu o casaco, pegou sua bolsinha pequena e a colocou atravessada como faz sempre, abriu a porta e saiu. Fez certo de pegar o casaco, pois assim que chegou à rua foi recebida por uma rajada de vento.

Fechou o casaco rapidamente, pegou um elástico e prendeu o cabelo, coisa chata é o vento fazendo o cabelo voar no rosto, pensou.

 Estando pronta, começou a percorrer em passos rápidos o caminho para o ponto de ônibus que por sorte a deixava a meia quadra do seu trabalho.


Continua...