Normalmente sei o que dizer em qualquer situação, fui treinada para isso, fiz faculdade para isso, fiz pós, especializei, e faz 15 anos que trabalho com isso.
Estudei, treinei também para saber quando calar, tudo dentro de um contexto, controlado, especifico e normalmente por 50 minutos sei quando calar e quando falar, e me considero boa, afinal sou psicóloga, e entre outras coisas, é isso que fazemos.
Mas nunca, em nenhum momento da minha vida pensei viver o que vivi dia 23 de junho de 2011.
Estive ao lado de uma mãe segurando a mão de seu filho gravemente doente em seus últimos minutos de vida, e já sabíamos que estava perto, ela já sentia isso, eu também. Os médicos foram extremamente carinhosos a equipe de UTI também, a cada visita, a cada troca de plantão ele era visitado, mimado e acarinhado.
Isso por que antes de ser entubado para poder respirar, ele já tinha conseguido com simpatia e carisma conquistar a todos com um lindo sorriso. E o sorriso dele era fatal... E como era! Junto, vinha um olhar profundo e penetrante de brinde, era parte do kit herdado de sua descendência árabe, impossível ficar imune! Sim...impossível! E a gargalhada então!
Um dos irmãos foi em casa o outro foi buscar alguém, saíram à contra gosto, a vontade era ficar, mas foi preciso, então foram.
Estava eu de plantão na porta da UTI esperando minha amiga querida sair para poder abraçá-la.
Ela finalmente sai e diz:
- Cris, preciso ir ao banheiro, depois você entra comigo?
Eu disse:
-Claro!
Entramos as duas de mãos dadas, e lá está ele. Inconsciente, em coma induzido, e como nas outras vezes, entramos, falamos com ele, cumprimentamos com beijinhos nos espaços onde não havia tubos, máquinas ou curativos e ficamos ali. Por alguns segundos sem palavras.
Estou consciente da questão do tempo, a mãe também! Logo ela começa a falar com ele e entendi que este era o momento de apenas calar!
Comecei então a falar os mantras do Reiki, mas eles saíam quase que automáticos, não conseguia me concentrar, meus pensamentos estavam confusos e me culpava por não estar conseguindo. Ao mesmo tempo entendia que o que estava por vir, era grande demais, então, sabia que precisava continuar.
Fechei os olhos apertados na tentativa de focar minha atenção, e no segundo seguinte percebi que não precisava fazer isso, precisava apenas dirigir meu olhar amoroso, e deixar fluir de todas as formas o imenso carinho que sentia por aquele menino que ali estava. E foi o que fiz.
Ouvia o bip da máquina, controlando os batimentos cardíacos e as palavras daquela mãe a acarinhar seu filho com imensa ternura. Era possível apalpar o amor naquele momento de tão forte que estava manifesto!
E então segue o momento mais impressionante que vivi em toda minha vida!
Estamos segurando suas mãos, ela de um lado e eu de outro, então ela começa a falar:
- Filho! Meu amor, você sabe como a mãe te ama! Você é um filho maravilhoso! E eu estou muito orgulhosa de você! Pela coragem que você teve, pelo esforço que você fez, e entendo que você esteja cansado meu amor! Não se preocupe com a mãe, eu vou ficar bem. Apenas vá! Pode ir meu filho! Eu te amo!
Enquanto falava, beijava sua mão e braço acarinhava seu cabelo em gestos calmos, sua voz era firme, em nenhum momento demonstrou fraqueza, estava segura naquele momento.
O bip continuava o seu trabalho e neste momento as enfermeiras começaram a fechar as cortinas de outros pacientes, pois perceberam o que estava acontecendo ali, e aos poucos estavam todas atrás de nós.
E ela continuava.
- Eu te amo tanto meu filho, como eu te amo! Mas agora pode ir.
Ficamos todos em silencio e por fim o bip silenciou também. Ele foi.
A médica entrou, puxou o estetoscópio, averiguou e atestou o horário: 19:33.
O que seguiu não precisa contar basta imaginar.
Na hora não consegui, mas agora me pergunto que força é essa, de onde vem!
Que poder é este que uma mãe tem de estar ligada ao seu filho desde as entranhas do seu ser, que o faz nascer para a vida e ao mesmo tempo alcança com a voz o profundo de um coma.
Que força é esta que Deus deu às mães e somente a elas, que alcança em qualquer situação o melhor para o seu filho, mesmo que seja de forma definitiva.
Que poderoso é o sentimento de uma mãe, que reconhece na dor profunda o momento de entregar novamente seu filho amado ao criador!
Consegui poucas respostas, mas uma parece ser a melhor de todas.
O AMOR, este amor incondicional de mãe que alimenta, que nutre, que protege e que entrega. Somente este amor é capaz de dar força para um momento assim.
Mais tarde, enquanto aguardávamos os trâmites necessários, ela me pediu:
- Cris, por favor, divulga a importância da presença amorosa dos pais na vida de seus filhos, somente isso nos dá força para um momento como este.
Respondi:
- Sim amiga, divulgo com certeza!
E aqui esta!
Deixo aqui meu registro de profunda admiração a esta mãe, pela coragem e força, pelo grande exemplo que presenciei de amor incondicional e verdadeiro. O que me fez pensar e refletir sobre vários aspectos da vida e com os quais ainda estou a me questionar.
Sabemos, sentimos que ele foi em paz, foi um grande guerreiro! Corajoso, forte e resistiu á muitas intervenções, e à ele minha total admiração também!
Que Deus esteja com vocês, amparando e guiando sempre!
Com amor e afeto para esta família!